Há quase duas
décadas atrás, dada a constatação sistemática do insucesso caracterizador da
dinamização de sistemas integrados de Controlo de Gestão nas PME em Portugal,
instituí uma hipótese: a existência duma relação causa-efeito sustentada entre
a metodologia de planeamento prosseguida e a utilidade dos processos de controlo.
A verificação convergente
dum conjunto de circunstâncias favoráveis, permitiu o teste da mesma, mediante
o recurso a um esquema muito simples: a solicitação a um conjunto de cerca de
duas centenas de inquiridos, todos eles Empresários, Administradores ou Executivos
de topo que, no prazo de cinco segundos, se pronunciassem sobre o que se lhes
afigurava constituírem os sinónimos mais próprios de palavras que, então, lhes
eram transmitidas.
As duas palavras
em jogo foram “Planear” e “Planeamento”.
As respostas foram
concludentes: quase 80% dos inquiridos a “Planear” responderam Prever... Quase
70% dos inquiridos a “Planeamento” responderam Orçamento...
A hipótese, ainda
que em empiricamente, havia sido verificada: (sub) (in) conscientemente ou não,
o travejamento do processo de planeamento em previsões reduz o seu conteúdo à
mera produção orçamental o que torna inócua qualquer tentativa de controlo!!...
Como e porquê é o
que tentaremos neste, e nos nossos próximos textos, evidenciar.
A actividade de Planeamento
Empresarial é um processo complexo, em termos de conteúdos e protagonistas, que
se desenvolve em torno de dois momentos essenciais: o Estratégico e o
Operacional. O Planeamento Estratégico é um processo criativo, analítico, pouco
estruturado muitas vezes fulanizado, onde, o que está em causa, a partir das Visão
e Missão do negócio e da empresa é, sucessivamente, a estipulação apriorística
de Objectivos, desde logo quantificados, calendarizados e realistas e que
culmina, após a análise da situação de partida nas suas vertentes externa e
interna, na formulação duma Estratégia coerente de abordagem do(s) mercado(s).
Aqui chegados
importa agora, numa perspectiva sectorial, avaliar as necessárias contribuições
para o êxito da Estratégia: definir Políticas de actuação; Quando uma dada Política
é decomposta no conjunto de tarefas cuja execução compreende, dá origem a um Programa
a cuja calendarização vulgarmente se designa por Plano; Quando um Plano é
expresso, quantitativamente, em unidades monetárias, por forma a permitir uma
comparação espontânea com as realizações financeiras sintetizadas na(s) Contabilidade(s),
falamos, então, de Orçamento.
Do exposto espera-se
que resulte, para além duma visão integrada do processo de Planeamento Empresarial,
uma conclusão óbvia: o Planeamento não se esgota, nem se pode reduzir na/à
preparação de Orçamentos!!...
A afirmação parece
dever ser atribuída a William Thonson
(Lord Kelvin):
“Só se pode controlar o que se puder
medir”
Neste sentido, e,
sem qualquer paradoxo, dir-se-ia que a preparação do Orçamento é, em
simultâneo, a fase mais e menos importante do processo de Planeamento: Mais
importante porque condição sine qua non
do exercício do controlo dada a sua natureza quantitativa; Menos importante porque,
enquanto corolário lógico de todo o percurso de planeamento anterior, é um mero
exercício de álgebra!!...
A utilização
abusiva do orçamento em substituição de todo o conjunto de tarefas precedentes,
que constituem o processo de planeamento, é uma farsa que é perigosa, porque se
“vende” bem, mas só serve para desacreditar o sistema e desmotivar os
intervenientes.
Num artigo recente
da Fortune “Why CEO’s Fail” concluiu-se, espantosamente, o seguinte:
g 60% das organizações não articulam os Orçamentos com a Estratégia;
g 70% das organizações não têm os incentivos dos gestores intermédios
alinhados com a Estratégia;
g Finalmente, 95% dos colaboradores não conhecem ou não entendem a Estratégia.
Mas, questionar-se-á o leitor, como é isto possível? Como é possível o by-pass de todas as tarefas precedentes
à sua elaboração, as quais, no fundo, estipulam os seus parâmetros, premissas e
hipóteses? A resposta constitui a segunda parte da tese: Substituindo-os(as)
por previsões na assumpção, mais ou menos explicita, que Planear consiste em Prever
a evolução futura do curso dos acontecimentos!!...
Ora, Planear não é Prever!!...
Admitir que planear é prever produz
imobilismo na organização. Experimente, o leitor o seguinte: Pergunte
individualmente aos seus colaboradores o que irá vestir amanhã; mais de 80% das
respostas, directas ou truncadas, consistirão em “Não faço ideia (...) não sei
o estado do tempo (...) amanhã decidirei...”
Qual é o problema da resposta? Ser
honesta e responsável: como o inquirido não se auto-reconhece capacidade para
prever o estado do tempo, recusa planear a sua indumentária, adiando a decisão
competente...
Ao condicionarem a decisão de planear a vestuário à
previsão impossível do tempo, os
seus colaboradores quedam-se imóveis, sem capacidade de resposta, adiando a
decisão, num posicionamento declaradamente reactivo...
Independentemente da utilidade de que reveste a disponibilidade de estimativas
suportadas em métodos e técnicas mais ou menos sofisticadas, o Planeamento não
consiste no estabelecimento de Previsões; Antes, na identificação apriorística
de acções a desenvolver para diversas alternativas possíveis de evolução dos
factores não controláveis, isto é, no estabelecimento dum conjunto coerente de
pares ordenados de relação causa-efeito do tipo “If... (Acontecimento)...”, “Then...
(Acção)...”, que permitam antever as necessidades decorrentes do processo contínuo
de adaptação à mudança; Planear não foi, não é e nunca será um exercício
diletante de futurologia!!...
... Em contravenção nítida da máxima, hoje em dia recorrente aos mais
diversos níveis das hierarquias social, política e empresarial que me deixa profundamente
deprimido:
“Actualmente é
impossível Planear já que o futuro é imprevisível!!...”
Com franqueza!!... Se o futuro fosse previsível não era necessário
planear! Se o amanhã fosse igual ao ontem, como há décadas atrás, as empresas
não precisavam de Executivos mas sim de “surfistas” que fossem na onda...
Mas, do exposto, decorre uma terceira questão: se a produção orçamental é
uma prática enraizada no tecido empresarial com um mínimo de dimensão, se na
mesma se procede tradicionalmente ao by-pass
das etapas constituintes do processo de Planeamento substituindo-as pela
estipulação de Previsões mas, se se admite a incapacidade intrínseca do Executivo
para o efeito, então... como é que se preparam os Orçamentos??...
Esta questão como se reconhecerá é completamente diferente das duas
anteriores: Travejar o Planeamento em Previsões e reduzi-lo à preparação de Orçamentos
são realidades causais do estado de coisas a que se chegou no domínio da
produção orçamental; Como se consegue produzir Orçamentos neste contexto, quais
as suas limitações técnicas e implicações organizacionais e comportamentais,
são as grandes questões-consequência objecto do nosso próximo texto.